O meio geológico e a sua relação com a engenharia
O meio geológico encontra-se em contínua evolução e os processos afectam tanto as rochas e os solos como a globalidade do meio natural. O meio antrópico, representado pelas cidades, infra-estruturas, obras públicas, etc., surge com frequência em regiões geologicamente instáveis, modificando e desencadeando, inclusivamente, os processos geológicos. A procura de soluções harmoniosas entre o meio geológico e o antrópico deve basear-se na consideração prévia dos seus factores distintivos, cujo desconhecimento está na base de algumas interpretações erróneas. Dentro destes factores destacam-se:
• A escala geológica e a da engenharia
• O tempo geológico e o antrópico
• A linguagem geológica e a da engenharia
Em geologia parte-se de um visão espacial dos fenómenos físicos da Terra, com escalas que vão desde o cósmico até ao microscópico, e o tempo mede-se em centenas de milhões de anos. Em engenharia as escalas espaciais e temporais adaptam-se à medida das actividades humanas. Grande parte dos processos geológicos, como a orogénese, petrogénese, etc., decorrem ao longo de milhões de anos, e condicionam factores tão diferentes como as propriedades e características dos materiais e a ocorrência de processos sísmicos ou vulcânicos. O homem como espécie surge no Quaternário, com uma antiguidade de cerca de 2 milhões de anos, face aos 4 600 milhões de anos de vida deste planeta. No entanto a acção antrópica intervém de forma extraordinária em determinados processos naturais como a erosão, sedimentação, e inclusive o clima. A possibilidade de acelerar ou modificar os processos naturais é um dos aspectos fundamentais a considerar em engenharia geológica. Muitas propriedades dos materiais geológicos de interesse geotécnico como a etc., ou processos como a dissolução, subsidência, expansividade, etc., podem ser substancialmente modificadas pela acção humana.
A comparação entre o tempo geológico e o humano é fundamental para avaliar as possíveis consequências dos factores e riscos geológicos. Pode considerar-se que a maioria das obras se projectam para ser operacionais entre 50 a 100 anos; no entanto é habitual exigir garantias de segurança geológica e ambiental para períodos entre 500 e 1 000 anos, como sucede face ao risco de inundações ou terramotos, etc.; há circunstâncias nas quais a estabilidade geológica deve ser assegurada para períodos ainda mais dilatados, como é o caso do armazenamento de resíduos radioactivos, onde se consideram períodos superiores a 10 000 anos.
Considerando a escala humana, muitos processos geológicos, como os perigos naturais de grande magnitude, têm em geral uma probabilidade muito baixa de ocorrência. O amplo domínio de velocidades em que se desenvolvem os processos geológicos, desde o quase instantâneo como os terramotos, até ao muito lento como a dissolução e a erosão, é outro factor que deve ser considerado.
As escalas cartográficas, como meio de representação espacial, são mais um dos aspectos distintos a ter em conta. Em geologia as escalas são condicionadas pela dimensão dos fenómenos ou das unidades geológicas, formações, estruturas, etc., a representar. A maioria dos mapas (cartas) geológicos tem escalas compreendidas entre 1/1 000 000 e 1/50 000, enquanto em engenharia as escalas mais frequentes se encontram entre 1/10 000 e 1/500. As cartas geológicas regionais permitem identificar factores que, não estando representados na área específica do projecto, poderão ser importantes para observar aspectos geológicos regionais, ou a presença de perigos cujo alcance poderá afectar a zona em estudo. As cartas geológicas a escalas de pormenor constituem uma prática habitual nas cartografias geotécnicas, litológicas ou temáticas, onde se representam descontinuidades, dados hidrogeológicos, materiais, etc., a escalas iguais às do projecto.
Um problema que se coloca frequentemente ao integrar dados geológicos em projectos de engenharia é a falta de comunicação entre os dois campos. Devido à independência das terminologias próprias da geologia e da engenharia, cada área dá destaque a aspectos diferentes e os resultados são valorizados de modo distinto, de acordo com as suas especificidades próprias. Em engenharia trabalha-se com materiais cujas propriedades variam muito pouco, podendo ser ensaiados em laboratório, como os betões, aços, etc., não se registado variação significativa das propriedades com o tempo. No entanto em geologia a maioria dos materiais são anisotrópicos e heterogéneos, e apresentam propriedades muito variáveis e que sofrem alterações e modificações com o tempo.
Num projecto de engenharia precisa-se de dados quantificáveis e susceptíveis de serem modelizados. Em geologia a quantificação numérica e a simplificação dos amplos domínios de variação das propriedades em valores compreendidos dentro de limites muito próximos é difícil, ou às vezes impossível de modo a cumprir os requisitos de um projecto. Por outro lado, é habitual dispor em engenharia de um grau de conhecimento muito preciso sobre os materiais de construção, enquanto a informação geológico-geotécnica baseia-se num número limitado de reconhecimentos, ocasionando um factor de incerteza presente nos estudos geotécnicos, circunstância que afecta a maioria dos projectos. A apreciação destas diferenças e a utilização de uma linguagem comum adequada às finalidades do Projecto é um dos componentes da engenharia geológica, que dispõe de métodos para quantificar ou exprimir dados geológicos de forma a poderem ser integrados na modelização numérica ou na tomada de decisões a nível de Projecto e da Construção.
A estatística é uma ferramenta importante para analisar dados muito variáveis, e inclusive aleatórios. O estudo de certos fenómenos, de periodicidade insuficiente conhecida, pode ser abordado a partir de análises probabilísticas com resultados aceitáveis, como é o caso de determinados riscos geológicos. A quantificação de um conjunto de propriedades geológico-geotécnicas para aplicações construtivas é possível mediante os sistemas de classificações geomecânicas de maciços rochosos e de solos. A utilização do conceito de coeficiente de segurança, habitualmente empregue em engenharia para exprimir o grau de estabilidade da obra, é igualmente incorporado na prática da engenharia geológica. A incorporação destes e de outros procedimentos, sobretudo mediante o conhecimento do meio geológico e da sua interacção com as actividades construtivas, faz com que possam definir, avaliar e integrar os factores geológicos que incidem e devem ser considerados na engenharia.
Factores geológicos e Problemas geotécnicos
A diversidade de meios geológicos e a complexidade dos seus processos fazem com que nas obras de engenharia devam existir soluções geotécnicas sempre que os factores geológicos condicionem o projecto.
Em primeiro lugar, devido à sua maior importância, estão os riscos geológicos, cuja incidência pode afectar a segurança ou viabilidade do Projecto. Em segundo lugar estão todos aqueles factores geológicos cuja presença condicione técnica ou economicamente a Obra.
Nos Quadros 1 e 2 apresentam-se as possíveis influências da litologia e da estrutura geológica sobre o comportamento geotécnico dos materiais rochosos e solos. Nos Quadros 3 e 4 referem-se o papel dos processos geológicos, incluindo determinados pela presença água, sobre os materiais geológicos e que conduzem a problemas geotécnicos.
De acordo com a informação dos quadros referidos pode dizer-se:
• Os factores geológicos são a causa da maioria dos problemas geotécnicos.
• A água é um dos factores de maior incidência no comportamento geotécnico dos materiais.
• Os processos geológicos podem modificar o comportamento dos materiais, incidindo sobre o meio físico, e ocasionar problemas geotécnicos.
Condições gerais que devem estar presentes num local de implantação de uma obra de modo a que possa ser considerado geológico e geotecnicamente favorável:
• Ausência de processos geológicos activos que representem riscos inaceitáveis para o projecto.
• Adequada capacidade de suporte do terreno para a fundação das estruturas.
• Suficiente resistência dos materiais para manter a sua estabilidade em escavações superficiais ou subterrâneas.
• Disponibilidade de materiais para a construção de obras de terra.
• Estanquicidade das formações geológicas para armazenar água ou resíduos sólidos ou líquidos.
• Facilidade de extracção de materiais para a sua escavação
Quadro 1
Influência da litologia no comportamento geotécnico dos terrenos
Litologia/Propriedades típicas/Problemas geotécnicos
Rochas duras/ Minerais duros e abrasivos/Abrasividade, Dificuldade de escavação
Rochas brandas/Resistência média a baixa, Minerais alteráveis/Roturas em taludes,
Deformabilidade em túneis,Alteração das propriedades com o tempo
Solos duros/Resistência média a alta/Problemas nas fundações com argilas expansivas e com estruturas instáveis
Solos brandos/Resistência baixa a muito baixa/Assentamentos de fundações, Roturas em taludes
Solos orgânicos ou biogénicos/Alta compressibilidade/Estruturas meta-estáveis,
Subsidência e colapsos
Quadro 2
Estruturas geológicas e problemas geotécnicos
Estruturas geológicas/Propriedades típicas/Problemas geotécnicos
Falhas e fracturas/Superfícies muito contínuas, espessura variável/Roturas, instabilidades, acumulação de tensões, infiltrações e alterações
Planos de estratificação/Superfícies contínuas; pequena separação/Roturas, instabilidades e infiltrações
Descontinuidades/Superfícies pouco contínuas, fechadas ou pouco separadas/Roturas, instabilidades, infiltrações e alterações
Dobras/Superfícies de grande continuidade/Instabilidade, infiltrações e tensões condicionadas pela orientação
Foliação, xistosidade/Superfícies pouco contínuas e fechadas/Anisotropia em função da orientação
Quadro 3
Efeitos dos processos geológicos relacionados com a água e sua incidência geotécnica
Processos geológicos na dependência da água/Efeitos sobre os materiais/Problemas geotécnicos
Dissolução/Perda de material em rochas e solos solúveis, Carsificação/Cavidades
colapsos em vertentes
Erosão-Transporte/ Perda de material e sedimentos,Erosão interna,Ravinamento/
Quedas e colapsos, Assentamentos, Sifonamentos e escavações, Aterros
Reacções químicas/Alterações da composição química/Ataque a cimentos, inertes, metais e rochas
Alterações/Alteração das propriedades físicas e químicas/Perda de resistência,
Aumento da deformabilidade e permeabilidade
Quadro 4
Influência dos processos geológicos na engenharia e no meio ambiente
Processos geológicos/Efeitos sobre o meio físico/Problemas geoambientais e tipos de actuação
Sismicidade/Terramotos, tsunamis Movimentos do solo, roturas, deslizamentos, liquefacção/Danos a populações e infra-estruturas
Projecto anti-sísmico, Medidas de prevenção, Planos de emergência
Vulcanismo/Erupções vulcânicas, Alterações do relevo, Tsunamis e terramotos, Colapsos e grandes movimentos de vertente/ Danos a populações e infra-estruturas, Sistemas de vigilância, Medidas de prevenção, Planos de evacuação
Empolamentos, subsidências/Alterações morfológicas de longo prazo, Alterações na dinâmica litoral e no nível do mar a longo prazo/ Medidas de controlo e vigilância
Erosão-Sedimentação/Alterações geomorfológicas a médio prazo, Arrastamento e aumento da escorrência, Colmatação/Aumento do risco de inundações e deslizamentos, Medidas de protecção em leitos e zonas costeiras
Movimentos de vertente/Deslizamentos, desprendimentos, colapsos em vertentes, Mudanças morfológicas a curto e médio prazo, desvio de leitos/Danos a populações e infra-estruturas, Obstrução de leitos de rio, Medidas de estabilização, controlo e prevenção
Alterações do nível freático/Alterações nos aquíferos, Alteração das propriedades do solo, Secagem e encharcamento,Subsidência e instabilidade de vertentes/Problemas na cimentação, Afectação de culturas e regadios, Medidas de drenagem
Processos tectónicos/Tensões naturais, Sismicidade, Instabilidades/Explosões de rocha em minas e túneis profundos, Deformações a longo prazo em obras subterrâneas, Concepção do projecto em túneis e minas
Processos geoquímicos/Altas temperaturas, Anomalias térmicas, Presença de gases/ Risco de explosão,Dificuldade de execução em obras subterrâneas
Metodologia utilizada em Engenharia Geológica
1.Identificação de materiais e processos. Definição da geomorfologia, estrutura, litologia e condições da água subterrânea.
2.Investigação geológica-geotécnica do subsolo
3.Distribuição espacial de materiais, estruturas e descontinuidades
4.Condições hidrogeológicas, tensionais e ambientais
5.Caracterização de propriedades geomecânicas, hidrogeológicas e químicas
6.Caracterização dos materiais geológicos utilizados na construção, extracção de recursos naturais e trabalhos de protecção do meio ambiente
7.Comportamento geológico-geotécnico segundo a construção do projecto
8.Avaliação do comportamento mecânica e hidráulico de solos e maciços rochosos. Previsão das alterações das propriedades anteriores com o tempo
9.Determinação dos parâmetros que devem ser utilizados nas análises de estabilidade para escavações, estruturas de terras e fundações
10.Avaliação dos tratamentos do terreno para a sua melhoria face a infiltrações, assentamentos, instabilidades de taludes, desmoronamentos, colapsos , etc.
11.Considerações face a riscos geológicos e impactos ambientais
12.Verificação e adaptação dos resultados do projecto às condições geológico-geotécnicas encontradas na obra. Instrumentação e auscultação.