ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL



UM PROJECTO DE MUSEALIZAÇÃO PARA AS MINAS DO LOUSAL

 

Maria Luísa F.N. Santos E Alfredo A.D.Tinoco

Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial - APAI

 

(versão portuguesa da comunicação apresentada na 10ª Conferência Internacional para a Conservação do Património Industrial, Grécia, 1997; publicada na revista Arqueologia & Indústria, nº 1, 1998, pp.117-125; este projecto encontra-se actualmente em fase de execução)

 

     Integrada na Faixa Piritosa Ibérica que, com cerca de 250 Km de extensão e uma largura que chega a atingir os 40 Km, tem início no Vale do Sado e se prolonga até ao Vale do Guadalquivir, próximo de Sevilha (Espanha), a mina do Lousal (situada na freguesia de Azinheira de Barros, concelho de Grândola, distrito de Setúbal) foi explorada entre 1900 e 1988, data em que foi dada como encerrada a sua actividade extractiva.

     Foi um lavrador da região, António Manuel, que em Agosto de 1882, requereu ao Ministério das Obras Públicas e Minas o diploma de descoberta do jazigo do Lousal que, efectivamente, foi registado em seu nome no ano seguinte. A concessão provisória foi-lhe atribuída em 1885 e mais tarde transmitida ao engenheiro de minas Alfredo Masson, que a manteve até 1899 (data de alvará de abandono). Guilherme Ferreira Pinto Basto foi quem obteve a nova concessão, em 1900. Novas concessões foram feitas em 1904 (Lousal Novo) e em 1922 (Lousal nº 2, Lousal nº 3, Sítio da Montanha e Cerro dos Arneirões). Entretanto, Guilherme Pinto Basto transmitira o direito de exploração da mina à firma Minas dos Bairros, Lda., em 1910. Cinco anos mais tarde, a concessão passava para a empresa Henrique Burnay & Companhia e, em 1934, para a Société Anonyme Belge des Mines d’Aljustrel. Durante dois anos a exploração das duas minas foi feita pela mesma empresa que, em 1936, passou à sociedade belga Mines et Industries S.A. a exploração do Lousal.

     Foi a partir, precisamente, da terceira década do séc.XX que o Lousal começou a ser explorado de forma mais intensa, facto a que não é estranha a importância crescente, do ponto de vista económico, das pirites cupríferas, em virtude da procura do ácido sulfúrico. A SAPEC, que em 1928 começava a laborar em Setúbal com uma fábrica de superfosfatos, pertencia ao mesmo grupo proprietário das minas e era um dos consumidores internos das pirites do Lousal, juntamente com a CUF (ainda que esta estivesse principalmente ligada ao complexo mineiro de Aljustrel).

     Foi entre os finais dos anos 50 e o início dos anos 60 que se iniciaram os estudos para a mecanização das minas do Lousal, tendo havido contactos com as Minas de Montevectrio, na Sardenha, cujo chefe dos serviços mecanizados fora o inventor dos protótipos de elementos-chave introduzidos nos trabalhos de lavra do Lousal - as pás carregadoras pneumáticas autotransportadoras e os camiões pneumáticos autotransportadores de entulhos (dumpers).

     O processo de mecanização, praticamente concluído em 1962, foi acompanhado da ligação das minas do Lousal à rede rodoviária nacional, cujos trabalhos foram executados por trabalhadores que, devido à própria mecanização, haviam sido considerados "excedentes". É também durante este período que se incrementam algumas acções de carácter social, como a construção de habitações para o pessoal das minas, casa de saúde, farmácia, posto médico, instalações comerciais e salão de festas.

 

     Se analisarmos os dados estatísticos referentes à população do Lousal, de 1911 a 1960, assistiu-se ao seu acentuado crescimento populacional (de 167 habitantes em 1911 para 1273 em 1940 e 1906 em 1960), iniciando-se a partir de então um decréscimo da população residente, numa primeira fase certamente ligado à mecanização do trabalho mineiro (1252 habitantes em 1970 e 957 em 1981) e posteriormente, ao fecho da mina (679 habitantes em 1991).

     O território que acabámos de apresentar, após quase um século de exploração mineira, é hoje uma zona degradada dos pontos de vista ambiental e paisagístico, socialmente e economicamente deficitária, marcada por restos da exploração e em que são visíveis os estigmas que sempre são inevitáveis com o abandono de projectos que sustentaram durante muito tempo e em exclusivo o desenvolvimento local.

     Felizmente, que no caso em apreço, menos de dez anos após o encerramento, o antigo proprietário das minas e o Município local uniram esforços para promover no Lousal uma iniciativa de desenvolvimento integrado, capaz de reabilitar economicamente e socialmente a região e com uma componente cultural.

     A promoção e a gestão do Programa de Desenvolvimento Integrado e de Redinamização do Lousal (RELOUSAL) pertencem a uma Fundação (Fundação Frederic Velge) que congrega as duas instituições citadas. O financiamento é parcialmente suportado por fundos comunitários. Para a realização da parte cultural foi convidada a Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (APAI), que se encarregou de desenvolver o Projecto de Musealização da Mina do Lousal.

     Como acima dissemos, trata-se de um projecto de desenvolvimento integrado que inclui a criação de infraestruturas turísticas (hotelaria, espaços de lazer, campismo, turismo rural, restaurantes), de formação profissional e criação de micro-empresas e de equipamentos culturais, que em conexão com os restantes programas, assegurem a sua quota-parte da viabilidade do projecto. Por essa razão, a concepção e a implantação do programa museológico implicam um diálogo constante com os promotores e a população, de modo a garantir a qualidade do projecto e a salvaguarda dos interesses de todas as partes. Também por essa razão o programa tem de ser faseado, ao longo de alguns anos, ainda que fosse mais aliciante a sua abertura ao público em simultâneo e com a apresentação da totalidade do Museu Mineiro.

     Refira-se, ainda, que uma vez assegurada a viabilidade do projecto, trata-se de uma oportunidade única e pioneira no nosso país de musealizar uma mina. De facto, nas últimas décadas, Portugal tem assistido ao encerramento sucessivo das suas minas, sem que jamais tenha sido possível mostrar ao público o que é a actividade mineira (excepções, são uma pequena exposição/museu numa antiga mina de ferro a céu aberto em Moncorvo e uma exposição no local onde funcionou a mina de carvão de S.Pedro da Cova).

 

     O projecto do Lousal reúne todas as potencialidades para tornar-se um verdadeiro pólo de dinamização, com três vertentes:

  • Cultural - graças à preservação e reabilitação do património mineiro (nas suas componentes de arqueologia e história mineira, de história geológica e dearqueologia industrial);

  • Científica - graças ao estudo e à divulgação que se pode fazer desse património, nomeadamente, através de um Centro de Documentação/Arquivo, a criar anexo ao Museu, e, das publicações do mesmo;
  • Pedagógica - graças à possibilidade que pela primeira vez se oferece ao público português, nomeadamente, aos estudantes e outros interessados, de tomar contacto com o universo das minas, da mineração e dos mineiros.

     Tal projecto é então uma infraestrutura de carácter sociocultural, de que a região e o país carecem. E, se é certo, que se trata de uma iniciativa de âmbito local, não é menos verdade que o alcance que terá excede em muito a região do Lousal e diz respeito a todo o país.

     A musealização de um espaço mineiro assume, pois, uma dupla importância: para a população local, pela oportunidade de redinamização socioeconómica e pela reabilitação de um património sempre presente no quotidiano dos habitantes e nas suas representações mentais, nomeadamente, afectivas; e, para os visitantes que têm uma apetência pelo universo mineiro, já pelo conhecimento dessa realidade, já pela sedução por esse mundo desconhecido e obscuro feito de mistérios em que tudo se passa nos subterrâneos.

     Sublinhe-se, finalmente, que se pretende com este projecto contribuir para o desenvolvimento social e cultural dos habitantes e dos visitantes, para o enriquecimento económico do local, corrigindo assimetrias, para um aumento progressivo do bem estar pessoal e social e da qualidade de vida, isto é, para o desenvolvimento integral e não apenas para o crescimento económico.

 

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     O programa e o faseamento da instalação do Museu Mineiro do Lousal, que passamos a expor, tem em conta a pluralidade e os interesses dos públicos potenciais da instituição.

     Com efeito, foram consideradas três faixas de públicos:

  • os habitantes - antigos mineiros, familiares ou outros de alguma forma relacionados com a mina;

  • o público escolar (e outros grupos organizados com interesses específicos);

  • o público em geral

     Para cada um destes públicos há que prever as expectativas, propor programas de atendimento diferenciado e dar respostas que aliem a um tempo o realismo e a imaginação.

     Entendemos, que em casos como este, os melhores museólogos são sempre os antigos mineiros, já pelo conhecimento que têm da realidade, já pelo "amor" que têm à mina e à mineração, e, ainda, pela disponibilidade que manifestam na transmissão dos seus saberes e saberes-fazer.

     É pois desejável, que uma parte considerável dos postos de trabalho a criar seja preenchida por antigos mineiros. Todavia, será necessário promover a criação de um Serviço Educativo capaz de, em instalações apropriadas, receber, com capacidade de resposta científica e didáctica, os grupos de escolas e os grupos com interesses específicos. No restante, as estruturas e os equipamentos do Museu Mineiro do Lousal responderão às necessidades das instituições museológicas como elas estão definidas pelo ICOM.

     É tempo, então, de apresentar o programa museológico integrado no Programa de Desenvolvimento Integrado e Redinamização do Lousal. O Museu Mineiro será polinucleado, aproveitando as antigas instalações mineiras e de apoio ao trabalho da mina. Muitas delas necessitam de obras de manutenção e mesmo de intervenções arquitectónicas mais profundas.

     Os visitantes, que serão acolhidos na Recepção, contarão aí com um Centro de Interpretação, que dá conta dos núcleos museológicos existentes, integrando e contextualizando a actividade das minas "na faixa piritosa ibérica" e no concelho de Grândola.

     A exposição permanente do Núcleo Central, comporta três vertentes:

A - História Geológica

B - História Mineira

C - Arqueologia e História do Lousal

 

     Um núcleo marcante pela sua proeminência no terreno e pelo valor icónico é o Malacate, cuja recuperação está concluída. A Central Eléctrica, que fornecia energia a toda a actividade mineira e à povoação, manteve-se parcialmente em funcionamento até há pouco tempo, pelo que o seu estado de conservação é razoável. Por outro lado, conserva máquinas que atestam vários períodos tecnológicos da produção de energia, pelo que o seu valor científico e pedagógico representa um enorme potencial.

     Por razões de faseamento dos financiamentos será dos equipamentos a ser recuperado na primeira fase.

      O Paiol de explosivos será outro núcleo do museu. Provavelmente, enquanto não for possível musealizar um poço e um troço da galeria subterrânea, poderá o paiol servir como simulação de tal núcleo, após obras de adaptação que comportam uma entivação simulada em madeira.

     Finalmente, haverá espaço para uma galeria de Exposições Temporárias. Anexamente, pretende-se criar um pequeno Centro de Documentação e Estudos, que albergue a documentação existente sobre a actividade mineira no Lousal e em geral, e, sobre a história local. Por último, será criado um Parque de Diversões infanto-juvenil, cujos equipamentos serão de temática mineira e industrial.

 

 
 

MUSEU MINEIRO DO LOUSAL - FASEAMENTO DO PROJECTO

EXPOSIÇÃO

Fases

I

  1. Central Eléctrica - Exposição sobre a própria Central e sobre energia e minas
  2. Recepção
  3. Centro de Interpretação - Mina e concelho de Grândola
  4. Auditório
  5. Malacate
  6. Parque de Diversões

II

  1. Musealização do Paiol como galeria
  2. História geológica
  3. Parque de Diversões

III

  1. Musealização de um troço da mina
  2. Centro de Interpretação
    • História da mineração
    • História da Mina do Lousal
      • Técnica/Tecnologia
      • História Social
        • operária
        • patronal
    • Parque de Diversões
 
 

MUSEU MINEIRO DO LOUSAL - EXPOSIÇÕES

NÚCLEOS

  1. Centro de Interpretação
    • Minas do Lousal (contexto)
    • Local
    • Concelho de Grândola
    • Faixa Piritosa Ibérica
    • Destino do Minério
  2. Centro Mineral e Geológico
    • História Geológica
    • História da Terra
    • Exposição de rochas e minerais
  3. Centro de Interpretação
    • A. História Mineira
      • Arqueologia e história mineira
      • Origem e evolução
      • Técnicas e Tecnologia
      • Sistemas de exploração
      • Utilização dos minerais no quotidiano
    • B. Minas do Lousal
      • Descoberta
      • Origem e evolução da exploração
      • Técnicas e tecnologia utilizadas
      • História Social
      • Operária
        • Sindicatos
        • Associações
        • Lutas e greves
        • Habitação
        • Educação
        • Lazer e cultura
        • Doenças
        • Quotidiano na mina
      • Empresarial
        • Organização
        • Serviços
        • Instalações
        • Pessoal
        • Escritórios
        • Outras instalações fora do Lousal
  4. Malacate
  5. Central Eléctrica
  6. Paiol
  7. Poço e galeria subterrânea
  8. Galeria de exposições temporárias
  9. Arquivo/Biblioteca/ Centro de Documentação
  10. Parque de diversões
 
 

MINAS DO LOUSAL - CRONOLOGIA

 

1882

Registo do Lousal por um agricultor local, António Manuel, que mantém a posse da concessão mineira por dois anos.

1885

A concessão mineira é tranferida para Alfredo Masson.

1899

A mina é declarada abandonada.

1900

Nova concessão atribuída a Guilherme Ferreira Pinto Basto.

1904

Concessão da Mina do Lousal Novo.

1910

Guilherme Ferreira Pinto Basto transfere os direitos de exploração para a empresa Minas dos Bairros Lda.

1915

Nova transferência de direitos para Henrique Burnay & Companhia.

1922

Concessões para as minas nº2 e 3 (Sítio do Montado e Cerro dos Arneirões).

1934

Concessão transferida para a Société Anonyme des Mines d’Aljustrel.

1935

Concessão transferida para outra empresa belga, Mineset Industries S.A.

1962

Integração das Minas do Lousal na rede nacional rodoviária, enquanto o processo de mecanização se completava.

1988

As Minas do Lousal são encerradas.

1996

 

A Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (APAI) é convidada a tomar parte no Programa do RELOUSAL (Revitalização e Desenvolvimento Integrado do Lousal) e a apresentar as bases para o projecto museológico.

1997

A APAI assina um protocolo com a administração do RELOUSAL (Fundação Frédéric de Velge) para o programa geral e a primeira fase do museu.
1998 A APAI envia à Fundação o programa geral do museu, os projectos arquitectónicos da Central Eléctrica, do Centro de Interpretação, da Recepção e do Auditório, o projecto museológico e os desenhos do equipamento para a exposição da Central Eléctrica.
1999 Trabalhos iniciados na Central Eléctrica.
   
 
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A Valorização do Património Geológico e Mineiro do Lousal
Comunicação apresentada no “Congresso Internacional sobre Património Geológico e Mineiro”, realizado em Beja de 4 a 7 de Outubro de 2001
 
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